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PEÇA TEATRAL – TRAGÉDIA NO LAR (inspirada na poesia de Castro Alves)

Autor: Agnaldo Tavares Gomes
                                        (2009)



          PRIMEIRA CENA

Para dar início a apresentação, é formada uma roda de capoeira no centro do palco. Após alguns instantes de demonstração, a roda vai se desmanchando gradativamente... Entra em cena um rapaz ensanguentado, sendo arrastado ao tronco, onde é posto amarrado e chicoteado...  Em seguida entra uma mulher a clamar:

A MULHER (caindo de joelhos aos pés do rapaz ao poste)
“Deus”! Ó Deus! Onde estás que não responde!
Em que mundo, em que estrela tu te escondes.
Embuçado no céu?”

O POETA (Ao som da mesma canção, entra a recitar)
“O século é grande... No espaço
Há um drama de treva e luz
Como o Cristo – a liberdade
 Sangra no poste da cruz.”

A MULHER
“Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde, desde então, corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...”

O POETA
“Cai orvalho de sangue do escravo
Cai orvalho da face do algoz
Cresce, cresce. Seara vermelha
Cresce, cresce vingança feroz.”

(O rapaz ao tronco a um forte grito desfalece)

O POETA (Aproximando)
“Mas quando o último halito do Deus vivo rasgou as cortinas do templo,
Quando a luz de seus olhos eclipsou-se o sol do universo,
Então o anjo da igualdade, agitando  as asas, ensopadas em sangue,
Sacudiu o verbo da liberdade aos quatro ventos do céu.”

(depois dos versos, o rapaz é retirado do tronco por capoeiras e colocado ao colo da mãe... Ela fica a acariciar o filho morto).

A MULHER
“Meu filho dorme... dorme o sono eterno
No berço imenso, que se chama o céu.
Pede às estrelas um olhar materno,
Um seio quente, como o seio meu”.

(O rapaz é retirado do colo da mãe e levado para fora do palco...).



          SEGUNDA CENA

Na senzala, uma africana a cantar, tendo uma criança aos braços... “A voz como um soluço lacerante”.
A AFRICANA (a ninar a criança)
Entra um senhor com ar de autoridade em cena, dando chibatadas ao chão... Aproxima da mulher enquanto o poeta se afasta.

O SENHOR
“Por que tremes, mulher? Que estranho crime,
Que remorso cruel assim te oprime
E te curva a cerviz?
O que nas dobras do vestido oculta?
É um roubo que talvez aí sepulta?
É seu filho... Infeliz!...”

O POETA
"Ser mãe é um crime, ter um filho - roubo!
Amá-lo uma loucura! Alma de lodo,
Para ti - não há luz.
Tens a noite no corpo, a noite na alma,
Pedra que a humanidade pisa calma,
— Cristo que verga à cruz!"

O SENHOR (irônico)
— “Escrava, dá-me teu filho!
Senhores venham ver:
É forte, de uma raça bem provada”.
(repete)
 “Dá-me teu filho!”

A AFRICANA
— Impossível!...

O SENHOR
— Que dizes, miserável?!

A AFRICANA
— “Perdão, senhor! perdão! meu filho dorme...
Inda há pouco o embalei, pobre inocente...”

O SENHOR
Me entregue... “que o vou vender!”

A AFRICANA
“Vender meu filho?!”
“Senhor, por piedade, não”...
“Deixai meu filho... arrancai-me
Antes a alma e o coração!”

O SENHOR
“— Cala-te miserável!”

A AFRICANA (aos pés dos mercadores)
“— Senhores! basta a desgraça
De não ter pátria nem lar, -
De ter honra e ser vendida
De ter alma e nunca amar!”

O POETA
“Porém nada comove homens de pedra,
Sepulcros onde é morto o coração.
A criança do berço eles arrancam
Que os bracinhos estende e chora em vão!”

A AFRICANA (se irrita e desafia o coronel e os mercadores).
“— Nem mais um passo, covardes!
Nem mais um passo! ladrões!
Se os outros roubam as bolsas,
Vós roubais os corações!...”.

(Entram três escravos a jogar, o coronel e os mercadores fogem e a mulher a gargalhar...).



          TERCEIRA CENA

A MULHER
“Mas eu, Senhor!... Eu triste, abandonada,
Em meio dos desertos desgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente!
Talvez... pra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não se descubras no chão!...”

O POETA (aproximando)
“Silêncio!... Musa! Chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto...”

A MULHER
“Como não chorar a dor de um filho arrancado?...
À sorte pelas mãos miseráveis!
Sem que conheça o que é um lar
Sem que saiba o que é liberdade!”
(o poeta estende a mão e a ajuda a levantar. Ela deixa a cena, e o poeta volta ao publico a recitar)
“Era um sonho dantesco... o tombadilho 
Que das luzernas avermelha o brilho. 
Em sangue a se banhar. 
Tinir de ferros... estalar de açoite... 
Legiões de homens negros como a noite, 
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas 
Magras crianças, cujas bocas pretas 
Rega o sangue das mães: 
Outras moças, mas nuas e espantadas, 
No turbilhão de espectros arrastadas, 
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente... 
E da ronda fantástica a serpente 
Faz doudas espirais ... 
Se o velho arqueja, se no chão resvala, 
Ouvem-se gritos... o chicote estala. 
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia, 
A multidão faminta cambaleia, 
E chora e dança ali! 
Um de raiva delira, outro enlouquece, 
Outro, que martírios embrutece, 
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra, 
E após fitando o céu que se desdobra, 
Tão puro sobre o mar, 
Diz do fumo entre os densos nevoeiros: 
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros! 
Fazei-os mais dançar!..."
Forma-se novamente a roda de capoeira a jogar...





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