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PEÇA TEATRAL: O CAPITÃO DO CANGAÇO

Autor: Agnaldo Tavares Gomes
                                        (2006)



CENA-1

Entra em cena um homem (Amarelo) acompanhado de um rifle. De forma irônica procura por alguém, erguendo o rifle ao publico...

AMARELO: Onde é que tem homem mais macho do que eu? (faz uma pausa) To doido pra ver o sujeito que se diz mais macho! Quero meter-lhe o tiro nas ventas.

(agora entra em cena Vicentino dirigindo-se a Amarelo de costas)

VICENTINO: Tava me procurando? Já encontrou... Tô aqui doidim pra lhe ver repetir! (encosta o rifle)

AMARELO (se vira desculpando): Já nem ta aqui mais quem falou...(tenta fugir).

VICENTINO: Cabra! Volte. Se explique direito.

AMARELO: Explicar... Explicar o quê homem? Tem nada pra explicar não (olha para cima) Êita! O sol ta bem no meio...

VICENTINO: Não se faça de desentendido... Tá me chamando de surdo, é? (pondo lhe o rifle na orelha) Se ajoelhe. Benze o corpo. Prepare pra morrer...

AMARELO (ajoelhado): Valei-me, Virgulino! Capitão do cangaço! Cabra macho!... Pelo amor de padre Cícero... Valei-me!

(no instante em que Vicentino engatilha o rifle entra em cena Lampião).

LAMPIÃO: Quem foi que me chamou?!

VICENTINO: Foi nada não capitão... (escondendo a arma as costas)

LAMPIÃO: Nada não como? (suspende o rifle) Tá me chamando de besta é?! Que te esconde aí, cabra? Mostre a mão!

VICENTINO: Olhe!

LAMPIÃO: Mostre a outra.

VICENTINO: Posso não capitão...

LAMPIÃO: (aproximando o rifle) To mandando...! Mostre logo...!

VICENTINO (tremendo): Olhe lá!... (deixa cair o rifle)

(Lampião parte pra cima gritando)

LAMPIÃO: Cabra safado! Mentiroso!... Deite no chão! Comece a cagança...!

(Vicentino obedece a Lampião)

LAMPIÃO (com o rifle no queixo de Vicentino): Me diz, cabra: por essa redondeza tem algum sujeito que se diz mais macho do que eu?

VICENTINO: Tem sim, capitão.

LAMPIÃO: Tem...?!

VICENTINO: Tem não... Tem sim... Amarelo!

LAMPIÃO: Amarelo...?! Enlouqueceu! Só pode tá doido.

VICENTINO: Ele mesmo, capitão... Quando cheguei tava gritando pra todo mundo ouvir: “tem algum sujeito mais macho do que eu? Tem algum sujeito mais macho do que eu?...”.

LAMPIÃO (indo a Amarelo): Amarelo! Me diz uma coisa... Nessas redondezas existe homem mais macho do que eu?...

AMARELO: - Eu...!

LAMPIÃO (encostando o rifle): Eu...?

AMARELO: É... o cê mesmo capitão... (gritando) Não tem sujeito mais macho que Virgulino!!!

LAMPIÃO: Iutonce! Essas palavras custou-lhe a vida... Agora suma! Suma de uma vez enquanto eu mudo de idéia!

AMARELO (apressado): Tô indo capitão... tô indo!

(Lampião agora se dirige a Vicentino que ainda continua ao chão de bruço com as mãos à cabaça).

LAMPIÃO: E enquanto a vos-me-cê... Já cagou?

VICENTINO: Sim, capitão...

LAMPIÃO: Agora junte suas bostas e suma de minha frente cabra! Desapareça!... 

(Vicentino sai correndo enquanto Lampião dispara o rifle para o alto...).

LAMPIÃO: Êh... lugar de home frouxo! Tenho inté pena se eu fartar... É capaz das muié tumar inté as carsar.



CENA-2

Virgulino continua no palco. Começa a tocar um xaxado, entra uma mulher dançando...Virgulino observa atentamente.

LAMPIÃO (depois que a música da uma pausa): Como tu chama, bichinha?

A MULHER: Maria...

LAMPIÃO: Maria de quê? Toda Maria tem um complemento: Maria das Virgens, Maria das Dores, Maria Teresa...

A MULHER: O povo me chama de Maria Bonita.

LAMPIÃO (observando a mulher): Maria Bonita...  tô vendo lá toda essa lindeza não.
Mas se te chama assim... Pois bem, Maria Bonita, o que tu sabe fazer além de dançar?

MARIA BONITA: Um montão de coisa... Feijoada, carne frita, cosida e assada.

LAMPIÃO: E de sobremesa?

MARIA BONITA: Doce de abroba.

LAMPIÃO: Êita! É bom... E dispois...?

MARIA BONITA (se vira envergonhada): Segredinho.

LAMPIÃO (pega pelo braço dela): Maria Bonita, vumbora... Tô doidim pra saber esse segredim!

(a música volta a tocar enquanto os dois deixam o palco...).



CENA-3

(agora entra uma mulher gritando desesperada...).

A ESPOSA: Maria Bonita! Maria Bonita!...

(por outra porta entra uma menina de passagem por ela...).

A MENINA: Maria Bonita acabou de passar por mim agarrada a Virgulino.

(a mulher cai de joelhos ao chão...).

A ESPOSA: Valei-me Nossa Senhora! Tomai conta de minha fia! Protegei-a! Livrai das mãos de Virgulino!

(chega o marido da mulher)

O MARIDO: - Que foi lá, muié?

A ESPOSA (chorando): Virgilino levou nossa fia, Zé...

O MARIDO: Cabra desgraçado! Ah... se eu tivesse coragem! Se eu não fosse tão frouxo!

(Lampião entra e se dirige aos dois agachados ao chão...).

LAMPIÃO (girando em volta): Pela cara do frouxo, só pode ser pai de Maria Bonita...

O MARIDO: Pois não é que sou mesmo, capitão... Já sei! Veio pedir a mão de minha fia em casamento?

LAMPIÃO: Eu sou lá home de pedir nada! Levante os dois (se levantam) Deixa de tremedeira...! É até desgosto ter como sogra e sogra dois frouxos!

(enquanto conversam entra o padre arrastado por dois cabras...).

CANGACEIRO: Trossemo o padre, capitão. Tentou correr no meio do povo. Tá todo cagado!

LAMPIÃOS: Ah! Ah! Ah! Ah! Coisa feia, padre! Se o bispo souber disso...

O PADRE: Em que posso servi-lo, Virgulino...?

LAMPIÃO: Padre, sogro e sogra: tudo cagado... Nem carece de padrim, senão isso aqui vai virar uma gagança só!

( entra Maria, dançando...).

LAMPIÃO: Lá é vem a noiva!

(quando a noiva chega perto a música pára...)

LAMPIÃO (ordenando ao padre): Comece do final que é pra andar ligeiro!

O PADRE: Pois não meritíssimo...

LAMPIÃO (com o rifle mais próximo do padre): Tá zombando de mim padre?! Tá me achando com cara de juiz?!

O PADRE (tremendo): É de forma respeitosa...

LAMPIÃO (baixando a arma): Olhe lá esse respeito!

O PADRE: Virgulino Lampião, cabra macho do sertão...

LAMPIÃO: Deixe de cerimônia...

O PADRE: ... aceita Maria Bonita como sua legítima esposa?

LAMPIÃO: Deixe de besteira, padre!

O PADRE: Maria Bonita...

LAMPIÃO: Olha a latimunha...!

O PADRE:... aceita Virgulino Lampião como seu legítimo esposo?

LAMPIÃO: É ela é doida de não!

MARIA BONITA: Aceito com prestíssimo gosto!

O PADRE: Eu os declaro adiante a testemunha do rifle de Virgulino, marido e marida!

(o xaxado volta a tocar... Lampião puxa Maria Bonita pelo braço e seguem embora... A mãe de Maria chorando ao ombro do marido... Eles tentam seguir os noivos...)

LAMPIÃO: Aonde é que cêis pensa que vai...? Se virem de bunda e sumam! Casei foi com a fia não foi com os frouxos nãos!...

(eles fazem o que Lampião diz... (a música retorna)  Lampião e Maria Bonita seguem para um lado e os demais para o outro...).



CENA-4

(o palco fica vazio por algum tempo... Ouve-se uma música fúnebre ao longe, pouco a pouco se aproxima... Entra no palco dois homens a carregar um moto numa rede... mulheres e crianças em volta chorando... De repente ouve-se tiros e gritarias...)

UMA MULHER: Virgem Maria! É o bando de Lampião!...

OUTRA MULHER: Se avie gente!...

(o morto é deixado ao chão na rede enquanto todos saem correndo... Um homem coxo deixa as moletas e segue o povo...).

LAMPIÃO (aproximando do morto): Que diacho é isso?

CANGACEIRO: É um morto, capitão!

LAMPIÃO (bravo): Tô vendo que é um morto!

CANGACEIRO: Mas foi o capitão quem perguntou...

LAMPIÃO: Perguntei foi por perguntar!... Morreu de quê?

CANGACEIRO: Pelo que eu vi contar, foi de morte morrida. Diarréia!

LAMPIÃO: (se afastando) – Quê que é isso?

CANGACEIRO: Caganeira...

LAMPIÃO: E isso lá é morte de home! (ordena ao morto) Se levante cabra pra morrer de novo! (engatilha o rifle)

AMARELO (levanta a cabeça): Tava morto não Virgulino... Tava só dormindo. Mas já acordei, tô indo... Um bom-dia pra vosmicês!

(quando se adianta um pouco, Virgulino com o rifle à mira ordena).

LAMPIÃO: Pára aí cabra! Nem mais um passo, senão queimo fogo!

AMARELO: Virgem Maria Virgulino! Nem pense no que tô pensando!...

LAMPIÃO: E o quê que tu tá pensando...?

AMARELO: Em levar um tiro!

LAMPIÃO: Pois tome lá! (atira pro alto)

(Amarelo se estica ao chão... Virgulino se aproxima.).

LAMPIÃO: Amarelo!

AMARELO: Já morri Virgulino? Não quero nem vê...

LAMPIÃO: Que desgosto!... Padre Cícero que me livre de matar um sujeito tão frouxo qual esse. (cola o rifle nas costas do Amarelo) Se levante e suma! Antes que eu cometa uma injustiça... E das grandes.

(Amarelo de bruço ao chão se arrasta para fora do cenário... Lampião atravessa de um lado a outro. Em seguida Amarelo volta a cena acompanhado do seu bando...).



CENA-5

AMARELO: (pensativo) – Nós têm que arranjar um jeito de pegar Virgulino de causa curta.

VICENTINO: Mas de que jeito? O único jeito é arranjar de nós fUjir.

AMARELO (pensativo): Não. Tem que ter um jeito... É preciso de um jeito... Um jeitinho só... Já sei! Uma rapariga! Qual homem que não gosta de uma raparigagem?... Hein!

MOSSORÓ: Intonce vai trazer sua muié?

AMARELO: Olha a liberdade...!

VICENTINO: A minha já vou tirando de cena...

(Amarelo e Vicentino olham para Mossoró...)

MOSSORÓ: Nem pense!

AMARELO: Pois tá pensado e já não tem como dispensar...

MOSSORÓ: Pra ficar tudo empate: porque não as três? Quanto mais rapariga, mio. Quero dizer: quanto mais muié...

AMARELO: Até que não é uma má idéia... É o seguinte: vamos fazer um xaxado, chamar as muié pra dançar... Com um jeitinho que só elas sabem vai desarmar o homem... Daí é que nós entra e tome fogo! Tome fogo!...

VICENTINO: Se é assim... eu aceito!

MOSSORÓ: Também aceito!

AMARELO: Pois que entre as muié, nosso trato tá de pé!...

(as mulheres entram dançando... Ao escutar o som da música Lampião e os cangaceiros entram atirando...Os homens correm e deixam suas mulheres...).

(a música pára)

LAMPIÃO (chegando): Êita diacho!... Cadê os machos?

SEVERINO: Acaba de chegar três.

MULHER DO AMARELO (indo a Virgulino): Que macho lá nada. É tudo um rebanho de frouxo! (tenta tirar a cartucheira)

LAMPIÃO: Êpa!

MULHER DO AMARELO (se afastando): Só queria ajudar.

LAMPIÃO: Mas esse trem faz parte do meu figurino.

A MULHER DO MOSSORÓ: O capitão fica mió sem ele.

LAMPIÃO: Cê acha minha bixinha?

A MULHER DO MOSSORÓ: Acho sim.

A MULHER DO VICENTINO: Sem ele e sem o rifle.

LAMPIÃO: Sem o rifle...? (vira aos cabras) To desconfiado... Fique de olho!

LAMPIÃO: Se as cabritinha acha... (entrega a elas a cartucheira e o rifle).

A MULHER DO AMARELO (puxa pelo braço): Agora vamos dançar capitão...

LAMPIÃO (seduzido): Só se for agora!...

(a música retorna... As outras mulheres chamam os cangaceiros)

A MULHER DO VICENTINO: Os cabras também.

A MULHER DO MOSSORÓ: Vunbora!...

(enquanto dançam, Amarelo e seu bando preparam o ataque. Quando trocam alguns passos, aparece Maria Bonita do outro lado acompanhado de um rifle gritando... Eles recuam).

MARIA BONITA: Que raparigagem é essa?! Poça vergonha...

LAMPIÃO (corre ao encontro dela): Minha cabritinha!...

MARIA BONITA (minando a arma): Pare onde está! Ainda não terminei... Um homem casado no padre, muito bem casado, cometendo ato imoral... Se avie, suspenda as causas e simbora!...

(Virgulino pega seus pertences e segue Maria Bonita... Um dos cabras grita:).

VICENTINO: Capitão! E as moças?

LAMPIÃO: Entregue aos donos, bestas!

VICENTINO (a Mossoró): Já que eu perguntei. Duas pra mim, uma pra tu.

(toca uma música... Eles pegam pelos braços das mulheres e seguem a Virgulino...).



CENA-6

(entram no palco Amarelo e seus compassas...). (a música pára)

AMARELO (desesperado): Santinha! Santinha!... (pega no seu peito) Ai meu coração Santinha!...

(os cabras olham para ele com intimidação).

AMARELO (olhando para eles com medo): Quê que cêis tão pensando...?

VICENTINO: Em te atirar nas ventas safado!...

AMARELO: Ai!

(Amarelo é arrebatado de cena a mira de dois rifles...).

AMARELO: Cuidado com esse trem... Isso na cara dá uma tremedeira danada...!

(começa a tocar uma música de quadrilha, todos voltam ao palco a dançar... Lampião ordena a Amarelo e a Vicentino que puxe a quadrilha...)

LAMPIÃO: Puxa lá seus frouxos!

Vicentino: Essa é a quadrilha do cangaço!

AMARELO: Do capitão Virgulino Lampião... (vai ao publico e faz um gesto com o pé) O cabra mais macho da região!

VICENTINO: Êtha! Simbora!...

(Agora fica por conta dos puxadores que faz um pequeno improviso. Todos dançam... O pano cai.



           


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